Criado por Adão Casares
Você está no seu quarto, ou naquele cantinho que escolheu para trabalhar, no home office, que já se tornou seu "office sweet office." De repente, você se levanta e vai até a cozinha. Olha para o fogão, para o micro-ondas, abre a geladeira e, sem pegar nada, fica pensando: "O que vim fazer aqui?"
Sente-se um estranho no próprio lar. Incapaz de lembrar o motivo, volta para o quarto.
Ao sentar-se novamente, clica no computador e, como uma brisa leve, a memória volta: "Ah, sim, eu fui buscar um café." Mais uma vez, você retorna à cozinha. Mas calma, você não está enlouquecendo, estamos todos assim, meio perdidos, sem eira nem beira, após um ano de confinamento compulsório.
Afinal, este é apenas mais um dia normal de trabalho em tempos de pandemia: uma reunião logo cedo com o pessoal da firma, seguida por outra com um prospect, depois mais uma para resolver detalhes de um projeto. E, de repente, surpresa! Sua chefa liga convocando uma reunião de última hora. E isso é só pela manhã.
Um estudo publicado na revista Exame, edição de abril de 2021, analisou as ondas cerebrais de 14 participantes e confirmou o que muitos profissionais já vinham sentindo: a sequência de reuniões virtuais causa uma fadiga mental intensa, conhecida como "zoom fadiga." Não é à toa que, ao final de uma reunião remota de uma hora, nos sentimos mais exaustos do que após uma reunião presencial de duas horas.
Quando, finalmente, conseguimos um tempinho para relaxar, estamos confinados. Conversar com amigos é possível, mas o contato é virtual – seja pelo WhatsApp, Telegram ou Zoom. E, inevitavelmente, acabamos passando mais tempo nas telas brilhantes: fuçando no Instagram, Pinterest ou YouTube, ou assistindo Netflix, Disney+, Globoplay ou Amazon Prime. Ainda pagamos por isso, geramos audiência e, enquanto colaboramos com as métricas, alguém está lucrando – provavelmente, não somos nós.
Existem alguns aspectos importantes sobre a atenção humana: primeiro, o processamento da informação. Só temos acesso ao que prestamos atenção. Segundo, o foco – nossa atenção é limitada pelo espaço, tempo e tarefa. E terceiro, e aqui reside o perigo, nossa atenção é restrita. Temos a sensação de processar muito mais informações do que realmente estamos absorvendo. Por isso, dirigir e usar o celular ao mesmo tempo não é uma boa ideia. A pandemia afetou nossa atenção e intensificou a ansiedade. Focar em uma única coisa ficou mais difícil, e o dia parece escorregar pelos dedos.
A criatividade, matéria-prima da nossa indústria, também sofre no home office. Na biografia de Steve Jobs, o autor Walter Isaacson relata que, ao projetar a nova sede da Apple, Jobs queria apenas um conjunto de banheiros, estrategicamente localizado no centro do complexo. Para ele, o encontro aleatório de pessoas de diferentes departamentos era essencial para a geração de ideias. No home office, esses encontros simplesmente não acontecem.
No início, o home office parece funcionar bem. A produtividade é alta, as pessoas se fecham em suas "ostras" domésticas e trabalham freneticamente das 8 da manhã às 8 da noite, engolindo o almoço em 30 minutos. Há uma sensação de grande produção, mas a maior parte é apenas cumprimento de processos. A longo prazo, o home office esgota a energia dos trabalhadores, e a sensação de alta produtividade se dissipa.
Trabalhar em um ambiente tipo "ostra" inibe a otimização do uso do cérebro e da memória. Você já pegou o celular, olhou para o teclado e se perguntou: "O que era mesmo que eu ia fazer?" Nossa memória utiliza o contexto e precisa ser exercitada, assim como os músculos do corpo. Até mesmo a decisão de atravessar a rua é baseada em experiências passadas. Estimular os sentidos, como visão, audição e olfato, ajuda a evitar o "branco." No entanto, vivendo no mesmo ambiente, 24 horas por dia, 7 dias por semana, falta o estímulo necessário para novos insights. Como na canção: "a mesma praça, o mesmo banco, as mesmas flores, o mesmo jardim”, tudo é igual, sem treino, sem criatividade.
A casa caiu. La maison est tombée.
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